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Querem Calar ? Vereadora Marielle Franco, morta no RJ

4 Min leitura

Não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas.”

Foi assim, lendo em português e inglês a famosa citação da escritora americana negra, feminista e gay Audre Lorde, que a vereadora Marielle Franco encerrou sua participação no debate “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, organizado pelo seu partido, o PSOL, e que acabara de mediar na noite desta quarta.

“Vamo que vamo, vamo junto ocupar tudo (sic)”, se despediu. Minutos depois, seria assassinada com quatro tiros na cabeça após deixar a Casa das Pretas, espaço coletivo de mulheres negras na Lapa, no centro do Rio.

De caderninho e celular na mão, com o qual interagia com o público que assistia o evento via transmissão em sua página no Facebook, Marielle contou que havia escolhido essa frase de Lorde para um trabalho de uma aula de inglês –a tarefa pedia que ela citasse alguma mulher que tinha como referência.

Esse exercício a fez lembrar, disse, como a autoidentificação é fundamental. “O lugar de mulher, mulher negra, bissexual, agora estou casada com uma mulher, mas tenho uma filha. Dessas muitas representações a gente vai aprendendo, conhecendo e estudando mais.”

Antes de deixar a Casa das Pretas, a vereadora, criada na favela da Maré, pensou até em ir tomar uma cerveja com suas companheiras de bate-papo. No entanto, o cansaço venceu, e ela desistiu do programa.

“Quando acabou o debate nos abraçamos muito, tiramos fotos, e a Marielle sugeriu que a gente fosse tomar uma cerveja, a gente estava na Lapa (bairro boêmio). Mas eu desisti, queria ir pra casa, ela desistiu também”, conta a cineasta e produtora audiovisual Aline Lourena, sua colega de debate, à BBC Brasil.

“Ela havia tido um dia complicado na Câmara, comentou sobre algum veto do prefeito. Chegou mais de uma hora atrasada ao debate por causa disso e pediu desculpas”, lembra a escritora Ana Paula Lisboa. No dia anterior, Marcello Crivella havia vetado um projeto que obrigaria a Prefeitura do Rio de Janeiro a divulgar o fluxo de caixa da cidade.

Evento do qual a vereadora participou (Foto: Aline Lourena/Arquivo pessoal)

Evento do qual a vereadora participou (Foto: Aline Lourena/Arquivo pessoal)

Marcado para as 18h, o debate começou pouco depois das 19h justamente para esperá-la, e durou cerca de duas horas.

A escritora Ana Paula Lisboa, ao contrário das outras, não desistiu da cervejinha. Quando estava em um bar próximo dali, com outras pessoas que participaram do evento, recebeu pelo WhatsApp a notícia do crime, ocorrido às 21h30.

“Achei que era fake news. A gente tinha se despedido havia meia hora. Aí fui ligar para o pessoal do PSOL, e eles confirmaram.”

Enquanto Marielle ia embora, um carro emparelhou o veículo onde estava. Ela e o motorista, Anderson Pedro Gomes, foram assassinados a tiros, e uma assessora teve ferimentos leves causados pelos estilhaços. Os criminosos fugiram sem levar nada.

Lugar de fala

Marielle havia acabado de debater, por quase duas horas, questões como ativismo e empreendedorismo com quatro mulheres negras que trabalham com comunicação. Além de Aline Lourena, coordenadora do coletivo Az_Pretaz – Mulheres Negras e Indígenas da Comunicação e da Tecnologia, e Ana Paula Lisboa, participaram a rapper Hellen N’Zinga e a publicitária Moara Valle.

O evento fazia parte de uma ação chamada 21 dias de Ativismo Contra o Racismo, em curso no Rio.

Ao iniciar o debate, Marielle falou da importância do ativismo. “O mandato de uma mulher negra, favelada, periférica, precisa estar pautado junto aos movimentos sociais, junto à sociedade civil organizada, junto a quem está fazendo para nos fortalecer naquele lugar onde a gente objetivamente não se reconhece, não se encontra, não se vê. A negação é o que eles apresentam como nosso perfil”, disse.

 “Ter a nossa casa (a Casa das Pretas), ter o nosso lugar, ter o nosso período, ter o nosso lugar de resistência, daí fazer esse evento no bojo das atividades do 21 dias de Ativismo. A gente sabe que a gente tá ativa, tá militando, tá resistindo o tempo todo. Mas com alguns períodos onde a gente se fortalece na luta.”

A plateia, formada majoritariamente por mulheres jovens e negras, chamou a atenção da vereadora pelo fato de muitas ali serem universitárias. “Ela contou que, quando entrou na faculdade só havia ela e mais uma mulher negra no curso de Ciências Sociais da PUC (do Rio)”, lembra Aline Lourena, emocionada.

No bate-papo, a vereadora relembrou da época em que ingressou na universidade, após fazer um curso pré-vestibular na favela da Maré. Contou que a primeira “briga” que arrumou foi com um professor que insistia em passar a bibliografia em inglês, que “tentava impor” uma língua. “Eu era zerada em inglês, tinha vindo da Maré.”

E falou de como sua identidade foi sendo construída ali dentro.

“Quando eu chego na PUC em 2002, a minha perspectiva era a da mulher favelada, do pertencimento de quem passou pela Maré, desse lugar do ‘mareense’, do favelado, de uma potência, de uma disputa daquele corpo que vou ocupar. Sim, porque eu sou a favelada e aquele lugar do ensino de qualidade também era meu. Mas eu não tinha autoidentificação nem o lugar da mulher negra favelada. Essa é uma construção que vai se formando.”

Ana Paula Lisboa lembra que o tom da conversa foi sempre otimista, e que Marielle estava feliz.

“Foi uma conversa proveitosa, estávamos num momento de celebração, de falar menos da dor e mais de coisas boas sendo feitas pelas mulheres”, fala. “E antes de ir embora ela agradeceu todo mundo que participou, fez o evento. Ela tinha sempre essa questão do coletivo, de agradecer.”

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