A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, disse que, mesmo diante dos problemas que o Brasil vem enfrentando, permanece confiante de que o país vai conseguir superar as dificuldades. A ministra fez uma palestra hoje (5), na Academia Brasileira de Letras (ABL), no centro do Rio, com o tema A Judicialização da Política.
Lembrando do escritor João Guimarães Rosa, um acadêmico de sua predileção, a ministra disse que “a vida é assim mesmo, afrouxa, estica, esquenta, esfria, mas o que a vida pede da gente é coragem. Tenho certeza. Eu tenho muitos defeitos, mas eu sou dos Gerais [estado de Minas Gerais] como ele. Nós vivemos porque temos coragem. Quem é daquele sertão bravo do norte de Minas se não tiver coragem, sequer subsiste. Gosto muito deste país para desistir. Eu continuo tendo coragem e esperança”, disse, concordando com o pensamento do escritor que tomou posse na ABL em 16 de novembro de 67 e morreu três dias depois.
De acordo com a presidente do STF, para haver o respeito entre os três Poderes da República, Executivo, Legislativo e Judiciário, é preciso que cada um saiba qual é o seu espaço para não concentrar uma atuação que pode levar ao autoritarismo. “É preciso que, pela dinâmica, o Poder pare o Poder. Por isso, acho que esse rótulo do princípio de separação de Poderes, com todas as mudanças que foram sendo feitas no curso da história, continua sendo o princípio fundamental para que se tenha uma democracia. Isso vale, portanto, para o Executivo, Legislativo e Judiciário”, disse.
Na visão de Cármen Lúcia, a judicialização da política é decorrente de questões que não foram equacionadas com regulamentações das leis aprovadas e, por isso, provocaram lacunas que precisam ser solucionadas. Uma dessas questões, segundo a ministra, é a que trata da união homoafetiva. “Aciona-se porque há lacuna, mas [a judicialização da política] não é uma característica do Brasil. Isso cresceu no mundo inteiro, até mesmo no sistema do chamado direito comum, porque aumentou a cidadania. Porque amadureceu mais a cidadania”, disse.
A ministra revelou que sente “um certo alento” ao notar que o Poder Judiciário sabe da própria necessidade de mudar e tem essa certeza porque o cidadão está reclamando mais rapidez nas decisões. “Qualquer um de nós aqui que tem uma ação em juízo não quer esperar. Não é 20 não. Não quer esperar nem cinco anos para acabar esta ação”, disse.
Cármen Lúcia ponderou, no entanto, que é não é fácil dar um andamento mais célere em um universo de quase 80 milhões de processos para avaliação de 16 mil juízes em todo o país.
“Fácil não é. As dificuldades estão postas. Vivemos um período de desafio. Um tempo muito tumultuado, mas o Poder Judiciário, com todos os percalços e com todos os problemas que tem, somos 16 mil seres humanos tentando acertar uma tarefa que é dificílima. Nós lidamos com a vida de outras pessoas. No caso do Supremo, de todos os brasileiros”, disse.
A presidente do STF acrescentou que, embora, ainda haja morosidade nas decisões, desde a Emenda Constitucional 45, que apresentou, em 2004, a reforma do Judiciário e a criação do Conselho Nacional de Justiça, os prazos dos processos se tornaram menores com a entrada em funcionamento de alguns mecanismos que permitem relacionar casos semelhantes. Além disso, Cármen Lúcia chamou atenção para a Lei de Acesso à Informação, que de acordo com ela, ainda não recebeu o destaque necessário, por parte da sociedade, diante da importância que tem.
“No mês de abril eu pautei só casos de repercussão geral. Um dos casos resolveu, com uma assentada, que dizia respeito à responsabilidade do Estado, 82 mil e 500 casos notificados de processos que estavam em andamento em outras instâncias. São formas que a gente fica pensando para poder dar celeridade sem incorrer em exacerbação além do que é legítimo e constitucional”, contou.
A palestra de Carmem Lúcia na ABL abriu a série de Seminários “Brasil, brasis” de 2017 e teve a coordenação do acadêmico e historiador José Murilo de Carvalho, para quem o tema escolhido é muito importante para o país neste momento. O acadêmico disse que ao promover os seminários a ABL pretende contribuir para os debates de problemas nacionais. “Propositalmente a Academia faz isso em contribuição ao debate político em nível elevado, sem brigas políticas e sem disputas partidárias”.