O primeiro cineasta pernambucano a exibir um filme na edição deste ano do Festival de Cannes, Fellipe Fernandes, criticou em seu discurso antes da exibição o afastamento da presidenta Dilma Rousseff e a situação política do Brasil. O curta-metragem de Fernandes, O delírio é a redenção dos aflitos, é único título da América Latina na mostra Semana da Crítica, que integra o festival francês.
O filme retrata uma garota que trabalha em uma loja de departamento e que vive em um prédio de Olinda que corre o risco de desabar. A protagonista é vivida pela atriz Nash Laila.
“A exibição foi massa. O delírio foi o último filme de uma sessão com cinco curtas de diferentes origens e bem distintos entre si. As pessoas que vieram falar comigo depois do filme tinha gostado, foi bem legal. E no momento da apresentação do filme os brasileiros que estavam na sala aplaudiram bastante”, comemorou Fernandes.
Antes da exibição, no domingo (15), quando a equipe foi chamada ao palco para falar sobre o filme, o cineasta disse, em francês, que a estreia de seu primeiro curta era um momento muito especial, mas também muito particular e tenso no Brasil. “Falei que um golpe de Estado havia acabado de se concretizar no Brasil e que quando voltássemos para casa estaria no poder um governo ilegítimo, machista e elitista. E que nesse momento o cinema era uma de nossas armas de resistência e que nós iríamos resistir”, disse. Segundo Fernandes, a manifestação foi feita em nome de toda a equipe do filme.
Em entrevista à Agência Brasil, o diretor disse que o cinema “vai resistir” a eventuais mudanças conduzidas pelo governo do presidente interino Michel Temer.
A resistência do setor, segundo o cineasta, será feita inclusive por meio de filmes. “A primeira possibilidade de resistência do audiovisual é dar voz, forma e movimento a histórias que não estão na pauta da grande mídia. Precisamos lembrar que a batalha social também é narrativa.”
Fim do Ministério da Cultura
A composição do governo Temer preocupa integrantes do setor audiovisual pernambucano, segundo Fernandes, principalmente pela extinção do Ministério da Cultura, que foi fundido ao Ministério da Educação.
“Já passamos por momentos no Brasil em que não se produzia filme, era a coisa mais difícil do mundo. E agora a extinção do Ministério da Cultura deixou todo mundo em alerta, a gente não faz ideia do que pode vir por aí, e os sinais que tem chegado a nós não têm sido bons. A gente estava começando a consolidar uma cena de cinema, quase uma indústria já, a quantidade de gente em todo o Brasil que é empregada nisso, a geração de renda que isso significa”, analisou.
O cineasta teme que políticas de incentivo e estruturação do mercado audiovisual – da realização à exibição – sejam encerradas. “Se for extinta, por exemplo a Ancine [Agência Nacional do Cinema], que é uma instituição recente, que não está consolidada, se compromete toda a produção audiovisual do país”, disse.
Produção pernambucana
O filme de Fellipe Fernandes é um dos três títulos pernambucanos selecionados para o Festival de Cannes. O curta Abigail, de Valentina Homem e Isabel Penoni, será exibido na Quinzena dos Realizadores, na próxima quinta-feira (19).
E o único longa-metragem latino-americano da mostra competitiva seráAquarius, do pernambucano Kleber Medonça Filho (diretor de Som ao Redor). O longa, que será exibido em Cannes amanhã (17), traz Sônia Braga no papel de uma aposentada de 65 anos que resiste a assédios de uma construtora que pretende demolir o prédio onde ela mora, a última construção antiga da vizinhança, na orla marítima de Boa Viagem, para erguer um dos arranha-céus que delineiam o bairro litorâneo do Recife.
Há oito anos um filme brasileiro não concorria à Palma de Ouro de Cannes. Além disso, há cinco anos o festival não selecionava longas brasileiros em qualquer uma de suas mostras. Se receber a mais alta premiação de Cannes, Aquarius será o segundo do país a realizar o feito, repetindo o êxito de O pagador de promessas, de 1962.
Mais dois títulos brasileiros foram selecionados para Cannes este ano. O curta A moça que dançou com o diabo, de João Paulo Miranda, entrou na mostra competitiva; e o documentário Cinema Novo, de Eryk Rocha – filho de Glauber Rocha -, foi exibido hoje na mostra Cannes Classics. O festival ocorre até 22 de maio.