Estado com economia baseada em duas “atividades do século 18”, a mineração e a agricultura, Minas Gerais está vendo futuro no cinema e na televisão. Na semana passada, governo e produtores de audiovisual mineiros deram demonstrações públicas de que querem se transformar em potência nacional de cinema e televisão. O governo anunciou investimentos em séries de TV, prometeu recuperar 4 mil metros quadrados de estúdios e juntou os produtores locais e algumas das principais programadoras de TV por assinatura do país em um evento que emula o Rio Content Market, a maior feira nacional de televisão, onde nasce boa parte dos programas brasileiros exibidos na TV paga.
Entre as iniciativas, estão incentivos para atrair gravações de novelas ao Estado. Segundo Fernanda Machado, diretora de fomento à indústria criativa da Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), o turismo de Poços de Caldas “disparou” e “rejuvenesceu” depois que a cidade foi usada pela Globo como locação para Alto Astral, novela das sete exibida até maio do ano passado. “Até meados de 2018, os hotéis de Poços estão completamente ocupados”, diz.
Outra cidade beneficiada por uma telenovela é Carrancas, que emprestou sua paisagem para Império, em 2014. Impedida de ir até a Venezuela para gravar no Monte Roraima, a Globo acabou se servindo da cidade mineira. “O turismo explodiu. Todo mundo queria saber onde o comendador escondia seus diamantes”, conta Fernanda.
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Helvécio Ratton nas filmagens de O Segredo dos Diamantes; cineasta vê ‘virada’ em Minas
Geração inquieta
Além de oferecer suas paisagens e algumas facilidades para Globo e Record, o governo de Minas elabora um catálogo de artesanato e moda locais para expor na TV. Emplacar um produto entre os mais pedidos da Central de Atendimento ao Telespectador da Globo pode significar alguns milhões de reais na economia.
O projeto dos mineiros é encostar no Rio de Janeiro e em São Paulo nas primeiras posições no ranking nacional de economia criativa, como são chamadas as atividades que vão de produção de cinema a artesanato, passando pela TV, games e moda. Na produção de cinema, o Estado está hoje atrás de Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Ceará.
“Minas Gerais tem uma tradição visual que data dos anos 1980, muito forte e autoral. Agora as coisas confluem para uma produção industrial muito consistente. Há a inquietação de uma nova geração e um novo perfil de produtora, mais ligado à publicidade. Estou vendo um encontro das águas e a percepção do governo de que o audiovisual pode ser o caminho para a mudança de matriz econômica do Estado. Minas Gerais precisa sair do século 18, do minério, do café”, resume Israel do Valle, presidente da Rede Minas.
A Rede Minas lidera o pacote de investimentos que o governo fará em TV nos próximos meses. A emissora pública deverá lançar em julho editais para a produção de séries, documentários e animações que somarão R$ 17 milhões. São a maior parte dos recursos de um pacote de R$ 23,5 milhões de investimentos anunciados na semana passada. Quase a totalidade desse dinheiro sairá dos cofres da Ancine (Agência Nacional do Cinema), mas será direcionada para produtoras e público mineiros.
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Profissional da Turner apresenta na Max perfil de parcerias que a programadora procura
Projetos fazem sucesso
Na abertura da Max (Minas Gerais Audiovisual Expo), o governador do Estado, Fernando Pimentel, prometeu revitalizar e equipar um conjunto de três estúdios, que somam 4 mil metros quadrados, do Sistema Salesiano de Videocomunicação, em Belo Horizonte. O governo quer fazer do local uma “cidade do audiovisual”.
De todas as iniciativas estatais até agora, a Max é a mais superlativa. Encerrado no último domingo, o evento reuniu, em uma serraria desativada da capital mineira, 130 produtoras locais e algumas das principais programadoras como Globosat, Turner e A+E (dos canais A&E, History e Lifetime).
A exemplo do Rio Content Market, a Max realizou painéis para discutir o cenário do audivisual nacional, promoveu encontros em que compradores de conteúdo expuseram o que esperam de produtores independentes e realizou 451 encontros em três dias de rodadas de negócios. Nesses encontros, foram apresentados 311 projetos, dos quais 141 têm chances de vingar. Os organizadores da Max estimam que o evento, que terá nova edição em agosto de 2017, poderá gerar negócios da ordem de R$ 229 milhões.
Diretora de Conteúdo Original da A+E, Krishna Mahon saiu “impressionada” da Max. “A gente vai em feira que, de cada dez projetos, um serve para o canal. Aqui, de 20 projetos, 10 têm a cara de um dos nossos canais”, diz ela, que procura “novas caras do Brasil”. Segundo a executiva, vários projetos apresentados na Max podem vingar na grade do History.
Principal nome do cinema de Minas Gerais, o diretor Helvécio Ratton (Menino Maluquinho: o Filme, Batismo de Sangue, O Segredo dos Diamantes) acredita que o Estado está passando por um momento de virada. “Temos boas histórias, bons cenários, bons atores. Mineiro é um contador de história nato. Mas nossos cineastas sempre foram para o eixo Rio-São Paulo. O que sinto que está mudando nessa história é o fato de que a produção vem crescendo em quantidade e qualidade. Tem gente nova entrando”, afirma, entusiasmado com a recepção de Os Olhos do Mágico, projeto de série baseada na obra do escritor Murilo Rubião, misturando drama, suspense e terror. “A experimentação hoje está nas séries”, atesta.
“Eu vejo que estamos passando por uma transformação. As produtoras que fazem documentários e publicidade estão procurando outras oportunidades. As políticas de descentralização da Ancine estão trazendo recursos para cá, e isso está fomentando a cena daqui”, diz o produtor Xande Pires, da Imago Filmes, que trabalha atualmente em uma série de cinco documentários para a TV Brasil.
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Produtores oferecem projeto durante rodada de negociação na Max, que imita Rio Content
Contraponto: cena parada
O otimismo, contudo, não é unânime. Vem de um expoente da nova geração de criadores de Minas a crítica mais aguda a política do Estado para o audiovisual. “A cena mineira, até 2014, estava florescendo. Agora, quem está produzindo está fazendo com dinheiro do Fundo Setorial do Audiovisual [gerenciado pela Ancine]. Acho que a cena mineira vai dar uma parada”, diz o produtor Thiago Macêdo Correia, da Filmes de Plástico, um coletivo que reúne jovens diretores que filmam a periferia da Grande BH.
Correia conta que o atual governo do Estado paralisou uma linha de financiamento do cinema local, o Filme Minas, que lançava editais a cada dois anos. E lembra que a maior parte dos recursos anunciados na semana passada são da Ancine. “O cenário audiovisual de Minas Gerais foi limado pelo atual governo”, afirma.
O produtor também é crítico a iniciativas como a Max. “Tenho dificuldade para entender o evento. Vendo projeto para quem não tem dinheiro, para quem usa recurso público”, aponta. “Minas ainda não é um mercado”, finaliza.