O nome soa burocrático, mas tem tudo a ver com os serviços (e problemas) de saúde, educação e segurança do seu bairro e com a crise econômica que afeta o seu dia a dia: pacto federativo. A falta de recursos e capacidade de investimento de estados e municípios, devido ao excesso de centralização tributária do governo federal, é apontado como um dos motivos que empacam a recuperação econômica do país.

Na semana passada, a ponta desse iceberg apareceu com o anúncio de renegociação das dívidas dos estados com o governo federal, ao custo de cerca de R$20 bilhões, que resultou na suspensão dos pagamentos até o final do ano e no pagamento escalonado entre 2017 e julho de 2018.

Como aponta levantamento feito pelo Hoje em Dia, apesar do crescimento dos repasses acima da inflação, entre 2006 e 2014 , a partir de 2014 houve estabilização, com crescimento bem abaixo da inflação em 2015. Enquanto o custo de vida subiu 10,67% no ano passado, o repasse aos estados avançou apenas 0,22%, ou seja, perda real.

“Os estados foram os que mais perderam poder de arrecadação de impostos, a partir de 1988”, aponta a cientista política Celina Souza, PhD pela London School of Economics. “E os gastos com serviços básicos cresceram mais do que o esperado, com o aumento dos índices de violência e ampliação da educação básica, por exemplo. E são áreas que dependem de grande investimento em pessoal”.Ainda assim, os prefeitos também enviaram um lista de reivindicações e querem tratamento da Presidência para a resolução de problemas como a dívida previdenciária municipal, hoje em torno de R$ 100 bilhões, além do repasse de R$ 43 bilhões de restos a pagar às prefeituras.

“Minha Casa, Minha Vida, Saúde da Família… Todos os programas são concebidos em Brasília. Mas a prefeitura executa. Quando o governo federal se desorganiza, todo esse sistema se desarranja”, diz o prefeito de Barbacena e presidente da Associação Mineira dos Municípios (AMM), Antônio Andrada. “Na medida em que não há essa visão de descentralização o país vai entrando no colapso que está”, complementa.

União concentra 67% da arrecadação de impostos

Pela Constituição de 1988, municípios e estados têm autonomia na execução de políticas e na arrecadação. Mas emendas constitucionais, nos anos 1990, acabaram reduzindo esse poder. O resultado é que 67% da arrecadação tributária do país, hoje, é feita pela União, que faz repasses a estados e municípios para executarem grande parte dos serviços básicos de saúde, educação e segurança.

A relação de dependência de estados e municípios em relação ao governo federal é acentuada pela dívida pública.

Essa dívida com o governo federal surgiu a partir de um processo de centralização das dívidas de estados e grandes municípios na União, no final dos anos 1990, seguindo orientações macroeconômicas feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

“O indexador da dívida, em 1997 e 1998 \[IGPD-I\], não era tão desfavorável aos estados e grandes municípios. Mas com o boom das commodities ficou quase impagável para alguns”, avalia a cientista política Celina Souza. Para o ex-governador Antonio Anastasia, a negociação da dívida foi positiva, nos anos 1990, já que permitiu o saneamento dos bancos estaduais. “Todavia, a não revisão do indexador, depois das mudanças das condições econômicas no início dos anos 2000, levou ao quadro de insolvência que vemos agora”, avalia.

Governantes defendem reforma para redução da dependência

Prefeitos e governadores defendem que uma reforma do pacto federativo seja feita de forma a aumentar o poder de arrecadação e reduzir a dependência do governo federal.

Os municípios atualmente cobram IPTU, ISS e algumas taxas – a mais rentável, hoje, é a taxa de lixo (coleta de resíduos), dizem os especialistas. Já os estados dependem, predominantemente, do ICMS.

O presidente da AMM, Antônio Andrada, defende um Assembleia Constituinte para discutir o assunto em conjunto com a reforma política.

Para o senador Antonio Anastasia, um país mais descentralizado, facilitaria, por exemplo, os investimentos em infraestrutura, um dos gargalos de crescimento e, ao mesmo tempo, uma área propícia a novos empregos.

“Se nós tivéssemos mais descentralização, as obras seriam mais baratas, pois seriam realizadas por quem está mais perto da execução. Recursos financeiros descentralizados em estados e municípios representariam uma retomada do desenvolvimento”, diz.

Mas nem políticos nem especialistas veem solução para o problema no curto prazo. “Tudo se resume à repartição de recursos. E da forma como estão a União e os estados, atualmente ninguém tem condições de abrir mão de recursos para repassar para outros”, diz o economista e gestor do Observatório de Informações Municipais François Bremaeker.

Anastasia e a cientista política Celina Souza vão na mesma linha. Eles veem a renegociação da dívida dos estados com a União, na última semana, como uma saída temporária, mas, ao mesmo tempo, uma das soluções possíveis no momento.

“Dá um pouco de alívio. É preciso que se equacione a questão do crescimento econômico, para depois se ter um avanço de questões estruturais que estão batendo à porta. A agenda de políticas públicas dos governos dos estados é muito pesada e poderá ser considerada adiante”, diz Celina. “Isso é muito importante de entrar na agenda: não negar que os estados têm políticas muito caras em mão de obra.”

Cautela

O especialistas ponderam que é preciso ter cuidado ao se pensar a revisão do modelo federativo, devido ao grande grau de desigualdade entre estados e municípios.

Alguma centralização acaba auxiliando estados e municípios mais pobres, com menor capacidade de arrecadação local, já que faz com que a União redistribua o bolo do país de um modo que os auxilie.

Além disso, ainda que problemática, a ampliação de serviços de saúde, como a implementação do SUS, e a universalização da educação básica, a partir de 1988, só foi possível com a coordenação do governo federal – já que muitos estados e municípios não tinham capacidade financeira e de gestão, apontam os especialistas.