Em debate sobre projetos que tentam revogar a lei 7.802/ 1989, que regula o registro de novos agrotóxicos no país, a cozinheira Paola Carosella, apresentadora do programa de televisão Master Chef, afirmou que consumidores e pequenos agricultores não devem ser os principais responsabilizados pelo uso de agrotóxicos, mas sim o Estado brasileiro, que não incentiva de forma suficiente a agricultura orgânica e familiar.
“As leis no Brasil são boas, mas não são implementadas”, criticou a chef argentina.
Em sua opinião, parte do problema em torno dos agrotóxicos é causado pela falta de informações a respeito da questão.
“As pessoas não têm informações sobre orgânicos. Existe uma negligência gigantesca e uma enorme desinformação. A gente olha para uma abobrinha na feira e ela parece ‘mais inocente’ que um pacote de batata frita, mas não é”, afirmou.
Carosella participou do Seminário Agrotóxico é Risco, que aconteceu em São Paulo nesta sexta (12), no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo.
O evento aconteceu no âmbito da Comissão Especial de Fitossanitários da Câmara dos Deputados, a pedido do deputado Nilto Tatto (PT-SP), um de seus integrantes. O objetivo era promover o debate sobre o tema também com a sociedade civil.
A comissão é responsável por tratar do PL 6299/2002 e seus apensados. O principal deles é o PL 3200, chamado de PL do Veneno, que visa derrubar a Lei de Agrotóxicos e instituir a Lei de Defensivos Fitossanitários.
PL 3200
A proposta do PL 3.200/ 2015, cujo autor é Covatti Filho (PP-RS), da bancada ruralista é agilizar a introdução de novas substâncias deste tipo no país.
Além de substituir a expressão agrotóxico por defensivo fitossanitário, o objetivo é retirar da Anvisa, do Ibama e do Ministério da Agricultura a competência para avaliar e registrar novos agrotóxicos, criando o Conselho Técnico Nacional de Fitossanitários (CTNFito), que seria o responsável único pelo processo.
O prazo máximo que o novo órgão teria para decidir sobre a entrada de novos venenos seria de 180 dias.
Risco
Para Tatto, o modelo representaria a retirada do controle do Estado brasileiro sobre o tema.
Ele avalia que o projeto pretende “facilitar o registro de agrotóxicos, retirar órgãos de saúde e meio ambiente do controle e estabelecer um modelo paraestatal, privado, de registro”, no qual o “mercado regula o uso do veneno”.
O PL seria contraditório com a recomendação da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura de aumentar as restrições em relação ao uso de agrotóxicos, já que seu uso apresenta “riscos à saúde humana e outras formas de vida”. Além disso, apontou para o fato de que o Brasil já é o campeão no uso dessas substâncias.
Leonardo Melgarejo, integrante da Associação Brasileira de Agroecologia e ex-membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), lembrou que entre 2007 e 2014, houve 25 mil registros de intoxicações por conta do uso dessas substâncias.
“Levando-se em conta estimativas de subnotificação, para cada caso registrado, há 50 não registrados. Isso significa 1,25 milhão de pessoas intoxicadas [nesse período]”, diz Melgarejo.
Daniel Gaio, secretário nacional de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), concorda: “Um estudo da OIT aponta que, por ano, mais de 7 milhões de trabalhadores em países em desenvolvimento são acometidos por intoxicação, na indústria química ou na produção agrícola. Isso sabendo que muitos agricultores, quando conseguem ter acesso a um hospital, não são classificados como vítimas de agrotóxicos”.
“Uma das maiores falácias é de que existem estudos que apontam a possibilidade de uso seguro de agrotóxicos. Não há dose mínima segura para um produto que se combina com outros dentro do organismo humano”, complementa Melgarejo.
Fitossanitários
O representante da CTNBio também critica a troca de denominação para as substâncias: “a alteração significa uma ocultação, que é um verdadeiro crime contra os consumidores”.
Tal opinião foi compartilhada por Ana Paula Bortoletto, nutricionista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “Em nosso entendimento, [a alteração de nomenclatura] fere o direito do consumidor à informação”, complementa.
Marcelo Novaes, defensor público no estado de São Paulo, afirma que a troca ataca o Tratado de Roterdã, assinado pelo Brasil e que utiliza o termo agrotóxico.
“Contraria a lógica do sistema jurídico, que estabelece que a norma superior [no caso, o tratado] orienta as inferiores”. Para ele, por conta dos impactos na saúde da população, o projeto pode ser considerado “assassino”.
Bortoletto afirma que a ideia de concentrar o processo de liberação de agrotóxicos em apenas um órgão segue o modelo dos organismos geneticamente modificados, cujo registro é discutido no CTNBio.
“Um modelo como o da CTNBio é problemático, já que vários membros apresentam conflito de interesse: [o resultado é que] nenhum transgênico foi barrado”, disse.
Resposta
A reportagem entrou em contato com o deputado Covatti Filho para comentar o teor do projeto, mas não obteve retorno.