Se tivesse tal poder, Aline Calixto não hesitaria em adiantar os ponteiros do relógio. É que a sambista não vê a hora de colocar o seu bloco na rua – melhor dizendo, em adentrar o palco do Teatro Bradesco, amanhã e sábado, para lançar seu terceiro álbum, “Meu Ziriguidum”. Sim, dá para deduzir: a moça segue fiel, fidelíssima ao gênero ao qual se aferroou, e cujo nome aparece no recente clipe, “Papo de Samba”.Nascida no Rio, mas tendo a capital mineira como base já há algum tempo, Aline é um dos nomes que abrilhantam a presença da mulher nesta cena cujo expoente maior, Clara Nunes, é lembrada esta semana, com o “10º Festival Clara Nunes”, em curso até domingo, na cidade natal da guerreira, Caetanópolis. Ontem, dia 12, o país lembrou o nascimento dela, em 1942.
“Meu Ziriguidum”
tem 11 faixas e participações diversas
(Imagem: Blog Nota Musical)
REFERÊNCIA
Clara Nunes é, sim, um nome referência para Aline Calixto, que, aliás, no novo disco, reservou espaço para “Conto de Areia”, uma das músicas eternizadas pela mineira. Aqui, o “plus” fica a cargo da participação de Emicida, em texto que traz, como abre-alas, os dizeres: “Salve Clara Nunes, salve a mineira guerreira/Salve o samba, salve o rap, salve o batuque brasileiro”.
Mas é a faixa “Meu Ziriguidum”, que inaugura os trabalhos do disco homônimo, que Aline escolhe para mostrar o poderio feminino neste território: “Sambar no salto alto (…)/e ninguém me segura/Porque eu nem sei de mim/Eu só sei que o samba/Me deixa mais forte sim”. Aliás, a música é parceria dela com Gabriel Moura. “Acho ela bem feminista, fala sobre ir ao samba, usando a roupa que a gente quer”.
No decorrer da nova viagem pelo samba proposta por Aline, há músicas de muita gente de “responsa”, como Moacyr Luz (“No Pé Miudinho”), Serginho Beagá (“Bambolê”) ou Arlindo Cruz.
Esse último, aliás, comparece não só com duas composições, como nas gravações, somando-se ao já citado Emicida e a Zeca Pagodinho. “Papo de Samba”, a do clipe, é uma nova leitura para a música que já fez sucesso com o Fundo de Quintal, outra referência de Aline.
LIGA BOA
Toda antenada, ela dividiu a produção do CD – independente – com expoentes [/TEXTO]de duas gerações: Paulão 7Cordas e Thiago Delegado, que, claro, também marcam presença como instrumentistas.
“Amo, sou super admiradora dos dois. Quando pensei em unir nomes de gerações distintas, pensei: quem sabe não dá uma liga boa?”, aventa ela, que diz ter se envolvido em todo o processo de produção.
Lançado no mês passado, o clipe de “Papo de Samba” (Brokolis) mescla um cenário em miniatura com animação 3D. Aline é “absorvida” por meio de painéis eletrônicos, televisão e cartazes lambe-lambes
A FORÇA DO GÊNERO
Nomes como Dóris do Samba e Manu Dias dão visibilidade à cena do samba
As dificuldades para a mulher ingressar no universo do samba diminuiram, sim senhor. E muito. Quem assegura é uma autoridade no assunto, a mineira Dóris do Samba. “Nós, mulheres, estamos conseguindo conquistar esse espaço. Pode melhorar mais, claro. Mas sou sempre bem acolhida”, diz a moça, para quem, a cada dia que passa, acentua-se a percepção de que a presença feminina vem se fazendo mais forte não só em termos quantitativos, mas qualitativos.
“Acredito muito nessas conquistas”, diz Dóris, que já há alguns anos toca o projeto “Cantando e Contando a História do Samba”, que tem a proposta de valorizar a história social do samba a partir da nossa memória musical. “Vou sempre aplaudir o fato de mais mulheres estarem conquistando seu espaço”, assegura Dóris, que, em 2007, lançou o disco “Doris Canta Samba”, onde privilegiou compositores mineiros.
MANU DIAS
O sorriso que exibe ao alto da página, na foto à esquerda, pertence a Manu Dias, outro expoente da ala “salto alto” do samba mineiro.
Atualmente, é presença garantida no projeto “Casa de Bamba”, idealizado por Dé Lucas, para destacar vozes, intérpretes e músicos da atual cena do gênero em Minas.
Aos 32 anos, Manu – que é natural de Ouro Preto, mas mora em BH há 25 anos – conta que começou a cantar com o pai, aos 17, em barzinhos. “Em 2006, comecei a fazer uma pesquisa sobre samba nas casas de show em BH. Fui conhecendo mais o gênero, pois minha criação não foi muito nessa raiz, e sim na MPB”.
E foi justamente nessa época que a moça percebeu que o movimento do samba em BH era, em sua maioria, movido por homens. Mas assegura: “Não encontrei dificuldades para me apresentar”. Em 2009, ela montou seu grupo de samba (que levava seu nome) e começou a cantar em bares.
AGENDA CHEIA
E foi em 2012, no Cartola, com o projeto “O Quê Que Essa Nega Quer?” que Manu ganhou visibilidade. “Em 2014, montei o ‘É Samba Que a Nega Quer’”, diz ela, sobre seu segundo projeto, que está encerrando um hiato. “Vamos voltar em setembro, com a proposta de ser itinerante”.
Sobre o panorama da mulher no samba, ela diz que, apesar de ainda constatar uma predominância da presença masculina, há uma leva de mulheres que tem crescido no meio. “A mulher é figura importante na roda de samba, confere outro brilho à apresentação”, frisa ela, que, sim, tem conseguido viver de música. ‘Todo final de semana tenho algum show para fazer”, brinda.
Já Dóris, mantém agenda fixa no Jângal, uma vez por mês, aos domingos. Dia 21, canta ao lado de Maria Alcina, no show “Aquarela Mineira de Carmem Miranda”, com apresentação de Elke Maravilha. Já no dia 18 de setembro, divide o palco com Fabiana Cozza e Ronaldo Coisa Nossa, no Museu de Arte da Pampulha. Como dizia Ary Barroso, luxo só.
Serviço
Aline Calixto – Shows sexta e sábado, 21h, no Teatro Bradesco (rua da Bahia, 2.244). Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia)
Festival Clara Nunes – Hoje, a partir das 18h, apresentações na Praça da Matriz. A programação segue até domingo.