LANÇAMENTO DE 2014:
Bono faz homenagens a mãe e a ídolos punk no disco ‘Songs of innocence’.
Banda remete a passado do rock; download gratuito mira futuro do mercado
U2 divulga ‘Songs of innocence’ (Foto: Divulgação)
*Rodrigo Ortega – Do G1, em São Paulo
*Leia também a matéria da RCE – 27º Edição – Jornalista: Felipe José de Jesus
O lançamento mira o futuro da indústria e as canções se voltam ao passado musical e pessoal do U2 em “Songs of innocence”. O álbum teve lançamento supresa no dia 9 de setembro de 2014 em evento da Apple. A divulgação gratuita, massiva e invasiva – o álbum pode aparecer automaticamente na biblioteca do iTunes – busca manter o superestrelato em era do déficit de atenção. Ao ouvinte imediatista e preguiçoso, eis o disco instantâneo. Quanto mais gente ouvir de graça, melhor. Hoje, disco é divulgação de turnê, não o oposto.
Ironicamente, o marketing ousado vende conteúdo básico e saudosista. A capa, que mostra um LP de vinil, sinaliza o mergulho no passado. Os irlandeses homenageiam falecidos ídolos punk: Ramones na primeira música de trabalho, “The miracle (of Joey Ramone)” e Clash em “This is where you can reach me now”.
O saudosismo também é pessoal. “Iris (hold me close)” tem o nome da mãe de Bono, que morreu quando ele tinha 14 anos e “Cedarwood road” é homônima à rua em que a família dele morou em Dublin. O discurso político fica em segundo plano – mais precisamente na 9º faixa, a irônica “Sleep like a baby tonight”. O resto do 13º disco é pop rock simples e direto – quase tão fácil quanto um download automático.
Capa do novo álbum do U2 – formato em vinil
(Foto: Divulgação)
Leia o faixa-a-faixa:
‘The miracle (of Joey Ramone)’
A primeira faixa de trabalho homenageia Joey Ramone, morto em 2001. A letra e a guitarra “serra elétrica” remetem os americanos que influenciaram o punk europeu, inclusive o U2 na origem. “Tudo que perdi foi devolvido / O som mais bonito que já ouvi”, Bono declara de gratidão a Joey. O “ô ô ô” solene não caberia no CBGB, inferninho que gerou o “hey ho, let’s go”, mas anuncia um álbum mais direto.
‘Every breaking wave’
A balada com potencial de single é uma ode à aventura e ao risco: “Todo jogador sabe que você está lá para perder”. A música já apareceu em shows anteriores da banda. O teclado lembra alguma música do Coldplay que lembre uma do U2. Nada revolucionário – nem comprometedor.
‘California’
É a grande canção pop de “Songs of innocence”. Homenageia o estado norte-americano, mas desta vez menos ao deserto de “The joshua tree” (1987) e mais ao mar. A introdução repete “Bar-bar-barbara / Santa Barbara” e deve ser a coisa mais Beach Boys que o U2 já fez. A conclusão é a segunda homenagem aos EUA no disco: “O amor não termina”.
‘Song for someone’
A única balada romântica aqui é produzida por Ryan Tedder, do One Republic. Não tinha como ser mais radiofônica. Começa com um dedilhado de violão e deságua em gritos no refrão – algo exagerados, mas que devem funcionar para acompanhar os celulares ao alto nos shows. “Você tem um rosto que não foi estragado pela beleza / Eu tenho cicatrizes de onde estive”, canta Bono no seu primeiro disco pós-cinquentão.
‘Iris (Hold me close)’
Aqui Bono se afunda mais no passado. A música tem o nome de sua mãe, que morreu quando ele tinha 14 anos. O início tem canto religioso – a mãe era da igreja anglicana e o levava aos cultos. As guitarras remetem a “Pride (in the name of love”). A letra tem algo de acerto de contas (“Algo nos seus olhos levou mil anos para chegar aqui”), algo de lamento (“A dor no meu coração é uma parte de quem eu sou”) e uma inversão de sentimento entre filho e mãe que se foi (“Tenho sua vida dentro de mim”).
O CEO da Apple, Tim Cook (à esquerda),
ao lado de músicos do U2
(Foto: AP Photo/Marcio Jose Sanches)
‘Volcano’
O contrabaixo de Adam Clayton está no centro dessa música. O arranjo une os passados longínquo e recente – a crueza de “I will follow” e a guitarra explosiva de “Vertigo”. A batida simples carrega uma melodia quase tão pop quanto de “California”. A letra é adolescente: “Algo dentro de você está prestes a explodir”.
‘Raised by wolves’
Essa é mais soturna, grave e pesada que o resto do disco. Parece falar de terrorismo – tema que não deixa de ser pessoal para os irlandeses, que cresceram em meio ao conflito religioso. “Um garoto vê seu pai esmagado pelo peso de uma cruz de paixão / Em que a paixão é ódio”, narra Bono, antes de concluir: “As piores coisas do mundo são justificadas pela crença”.
‘Cedarwood road’
A música tem o nome da rua em que Bono morou em Dublin, e que hoje é atração turística. A letra sobre amizade é dedicada a Guggi, companheiro de infância de Bono, e irmão do garoto que apareceu nas capas de “Boy” e “War”. Tem base em um riff de rock clássico e saudosismo indisfarçável: “Não acordo daqueles sonhos / Porque nunca morreram e vivem na minha cabeça”.
‘Sleep like a baby tonight’
Bono abandona um pouco os temas pessoais e fala sobre conformismo político. O tom lúgubre contrasta com teclado quase infantil – bem semelhante ao que fazia o amigo Thom Yorke, do Radiohead em “Ok Computer”. A letra é catastrófica e irônica: o personagem dorme como um bebê enquanto o mundo vai de mal a pior.
‘This is where you can reach me now’
É a segunda música do disco dedicada a um pioneiro do punk falecido. Dessa vez é Joe Strummer, do Clash. Guitarra e baixo fazem claras referências ao estilo do Clash, e o refrão explicita a importância do punk para Bono na juventude: “1, 2, 3, 4 foi suficiente”.
‘The troubles’
Não é só em nome do amor. Também há espaço para mágoa e ressentimento na viagem passadista do U2. A faixa tem a bela voz de Lykke Li – de “I follow rivers”, marcante na trilha de “Azul é a cor mais quente”. A parceria encerra o disco solar em tom negativo, mas aponta para o fim de relação ruim: “Você não pode me machucar mais”.