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Precisamos defender a Democracia e a Política

A estrondosa entrevista do empresário Joesley contém algumas verdades. Entre elas, destaca-se a afirmação de que Temer lidera a mais perigosa quadrilha do país. De fato, essa afirmação está, nesse caso, embasada em gravações e filmagens que revelam, com provas cabais, um esquema de corrupção que atinge em cheio o núcleo do governo golpista.

Mas a entrevista também contém alguns mitos que não têm nenhuma sustentação empírica.

Podemos destacar dois. O primeiro, a afirmação estapafúrdia de que o PT teria “institucionalizado a corrupção no país”. Já o segundo, e mais grave, diz respeito à ideia de que todos os políticos são corruptos e que a atividade política é essencialmente corrupta.

Pois bem, em relação ao primeiro mito é preciso observar que uma análise fria do período histórico recente do Brasil demonstra que os governos do PT foram os que mais contribuíram para o combate à corrupção, ao atacar as suas causas e os fatores que a acarretam.

De fato, os governos do PT fortaleceram extraordinariamente as instituições de controle da administração estatal e promoveram intensamente a transparência da gestão pública.

As operações da Polícia Federal foram multiplicadas de cerca de 6 ao ano, nos governos do PSDB, para cerca de 250 ao ano, nos governos do PT. A Controladoria Geral da República, motivo de chacota pública no governo anterior ao de Lula, tornou-se uma eficiente instituição que fiscaliza com rigor as verbas federais destinadas aos municípios. As procuradorias e o Ministério Público foram igualmente fortalecidos e, hoje, desempenham suas funções com independência e desenvoltura. Extinguiu-se a triste figura do “engavetador-geral”, com a escolha de procuradores independentes, indicados pelo corpo técnico das instituições. Ao mesmo tempo, com a criação do Portal da Transparência e outras medidas semelhantes, como a aprovação da Lei de Acesso à Informação, a administração pública federal tornou-se muito mais receptiva ao “detergente da luz do sol”, para usar a expressão famosa do juiz Louis Brandeis.

Além disso, os governos do PT iniciaram um processo de “desprivatização” do Estado, direcionando fortemente as políticas públicas para o combate à exclusão econômica e social da maioria da população. Geraram também um processo lento, mas seguro, de construção e fortalecimento de cidadania, que tendia a colocar o aparelho estatal sob a égide e controle de um verdadeiro interesse público, e não mais sob interesses privados dos grupos secularmente dominantes.

Desse modo, é um completo absurdo afirmar que o PT “institucionalizou a corrupção”. Na realidade, o PT institucionalizou uma luta mais efetiva contra a corrupção. Os próprios procuradores da Lava Jato, que não gostam do PT, reconhecem que foram as políticas desse partido que permitiram o combate mais duro à corrupção e outros desvios. A Lava Jato e outras grandes operações contra a corrupção jamais teriam acontecido, por exemplo, nos governos do PSDB, quando imperava a impunidade, o acobertamento dos ilícitos e, consequentemente, a falsa sensação de que não havia corrupção.

Preocupa mais, entanto, a propagação hoje generalizada do segundo mito, qual seja, o de que a política é, no Brasil, uma atividade essencialmente de corruptos.

Essa criminalização generalizada da política e dos políticos está no cerne da crise institucional do Brasil e impede que o país busque soluções reais e factíveis para a solução de seus graves problemas. A bem da verdade, ela apenas favorece a busca de pseudossoluções “técnicas” para problemas que são fundamentalmente políticos e pré-candidaturas de políticos que rejeitam a democracia e advogam saídas autoritárias para a crise.

Na realidade, tal crise dos partidos e dos sistemas de representação é praticamente geral nas democracias.

Na França, berço da democracia moderna, acabou de ser eleito um presidente que fundou um novo partido para disputar o pleito. Nos EUA, Trump, um outsider de extrema direita, com um discurso feito sob medida para enganar trabalhadores desempregados, chegou ao poder, para surpresa de muitos. Na Grã-Bretanha, o Brexit, algo impensável há poucos anos, foi confirmado em plebiscito. Em toda a Europa, há descrença crescente na “política” e nos partidos tradicionais. Pululam aventureiros “apolíticos”, “novos políticos”, novos partidos com velhas ideias e pseudossoluções “técnicas” para problemas políticos.

Essa crise mundial das democracias, da política, é fruto, em grande parte, da crise econômica mundial. A capacidade da política de absorver e arbitrar conflitos, especialmente os conflitos distributivos, inerentes ao sistema capitalista, se fragiliza ou, em muitos casos, se esvai completamente.

Na crise dos anos 20 e 30, alguns sistemas políticos europeus simplesmente implodiram, dando lugar ao fascismo e ao nazismo, que levaram o mundo à gigantesca tragédia da Segunda Guerra Mundial.

Contudo, nesta crise política mundial, há um fator mais profundo, que vai além da crise econômica. Trata-se do que poderíamos denominar de a “despolitização da política”. Desde a década de 1980 que, em graus variados, os sistemas de representação política vêm “terceirizando” as decisões relevantes sobre a condução da economia para o “mercado” e “instituições independentes”, como bancos centrais dominados por grandes interesses financeiros privados.

Criaram-se, desde aquela época, “consensos técnicos” que consagraram, como racionais, desejáveis e inevitáveis, as políticas neoliberais amigáveis aos interesses do grande capital, especialmente do grande capital financeiro. Com isso, as decisões realmente relevantes sobre a condução das economias e dos países foram excluídas do sistema de representação e do controle da soberania popular, exercida pelo voto.

Tudo isso resultou no aumento expressivo da desigualdade econômica e social, num incontido desemprego estrutural, e na “financeirização” e desregulamentação da acumulação do capital, fatores determinantes da pior crise mundial desde 1929.

No campo político, essa usurpação do controle da política econômica pelo “mercado” resultou, em um primeiro momento, num crescente absenteísmo eleitoral e, agora, na crise, na descrença generalizada na política e na falta de credibilidade dos partidos e dos sistemas de representação.

A política que não cria reais alternativas de poder não é política, é apenas simulacro de democracia. É esse vazio político que está na origem da crise das democracias modernas. Assim, a crise mundial da política é, na realidade, a crise da falta de política.

No Brasil, esse cenário de descrença na política é agravado por dois fatores: o golpe parlamentar e a Lava Jato.

O primeiro retirou da soberania popular qualquer controle sobre quaisquer políticas, não apenas a econômica. Sem um único voto, o consórcio golpista está implantando não somente medidas conjunturais draconianas de ajuste, mas medidas estruturantes, com efeitos de longo prazo, talvez definitivos, em todas as áreas: educação, saúde, previdência, assistência social, trabalhista, proteção às minorias, meio ambiente, ciência e tecnologia, energia, política externa, etc.

Já a segunda retirou a credibilidade de toda a classe política brasileira e transferiu definitivamente a tomada de decisões do sistema de representação para um consórcio formado pelo grande capital, a mídia oligopolizada, procuradores messiânicos e juízes partidarizados.

No mundo inteiro, a superação da crise política e, por consequência, da crise econômica, passa pela capacidade dos sistemas de representação recapturarem a prerrogativa de tomar decisões relevantes, efetivas e inovadoras no campo econômico e, de resto, em todas as áreas. Em outras palavras, a política tem de recuperar a capacidade de criar empatia popular que consiga se antepor, numa disputa democrática real, ao establishment do capitalismo financeiro global e desregulamentado.

Pois bem, no Brasil, esse processo de recuperação da política e da soberania popular, única forma de superar a crise, tem caráter emergencial e exige duas precondições: 1) acabar com o golpe e 2) evitar que “o golpe dentro do golpe” impeça a candidatura popular de Lula.

Para sair da crise precisamos defender radicalmente a democracia, a política e a soberania do voto popular. Precisamos, sobretudo, de eleições diretas, da antecipação das eleições de 2018 para 2017, única forma de “passar o país a limpo” e nos livrarmos daqueles que terceirizam ao mercado, literalmente falando, a gestão do Estado.

GLEISI HOFFMANN

Senadora e presidente nacional do Partido dos Trabalhadores

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