A esteatose hepática caracteriza-se por um acúmulo de gordura nas células do fígado, também chamada de infiltração gordurosa ou doença gordurosa do fígado. É muito comum e pode ser dividida em alcoólica (quando há abuso na ingestão de bebida alcoólica) ou não alcoólica (quando não existe história de ingestão de álcool significativa).
A esteatose hepática não alcoólica pode ser causada por hepatites virais, diabetes, resistência à insulina, sobrepeso ou obesidade, níveis elevados de colesterol ou triglicérides e drogas como corticoides, estrogênio, amiodarona, antirretrovirais, diltiazen e tamoxifeno. Há também as causas relacionadas a algumas cirurgias para obesidade, desnutrição ou rápida perda de peso – esses por levar a um estresse metabólico com acúmulo de gordura no fígado. A causa mais frequente é a obesidade, ou mesmo o sobrepeso.
A esteatose não alcoólica atinge cerca de 20% da população geral e cerca de 60% das pessoas obesas. Mais de 70% dos pacientes com esteatose são obesos, e quanto maior o sobrepeso, maior o risco. A esteatose é mais comum em mulheres, provavelmente por ação do estrogênio.
Esteatose inicial ou leve é quando ocorre pequena deposição de gordura no fígado, se essa gordura persistir por um tempo prolongado ou se houver um maior acúmulo de gordura, pode acarretar dano às células do fígado, com inflamação, que chamamos de esteato-hepatite. Ou seja, após vários anos de esteatose pode ocorrer uma “hepatite” pelo excesso de gordura. A esteato-hepatite é um quadro bem mais preocupante que a esteatose, pois pode evoluir para cirrose hepática em cerca de 20% dos casos, que é a complicação mais temida da esteatose hepática.
Tanto a esteatose como a esteato-hepatite não tem sintomas e com frequência são descobertas por uma ultrassonografia abdominal de rotina, ou na investigação de alteração de exames laboratoriais relativos ao fígado. O médico pode suspeitar de esteatose hepática pela história clínica, exame físico do paciente, com detecção do fígado aumentado, ou por aumento da circunferência abdominal pelo acúmulo de gordura. Alguns pacientes com esteatose hepática queixam-se de fadiga e sensação de peso ou desconforto no abdomen superior direito, porém não há evidências que esses sintomas estejam relacionados ao acúmulo de gordura no fígado, pois pacientes com graus avançados de esteatose geralmente não apresentam nenhum sintoma.
A ultrassonografia costuma indicar o grau de esteatose hepática, sendo
- Grau 1 ou leve: quando há pequeno acúmulo de gordura
- Grau 2: quando há um acúmulo moderado de gordura no fígado
- Grau 3: quando ocorre grande acúmulo de gordura no fígado.
Essa graduação não é muito precisa, pois a avaliação é subjetiva, depende do equipamento e da experiência do médico que faz o exame, mas ajuda na avaliação da intensidade da gordura e no seguimento, para verificar se houve melhora com o tratamento. Não é possível diferenciar casos de esteatose da esteato-hepatite, nem das outras causas de hepatite pelos exames de imagem. Na ultrassonografia consegue-se ver bem a gordura, mas ela não possui sensibilidade suficiente para se descartar ou confirmar a presença de inflamação no fígado, nem saber o grau de lesão do fígado.
Quando o ultrassom ou tomografia mostram esteatose é preciso fazer exames complementares para avaliar a presença de inflamação e identificar a causa da esteatose, devem ser pesquisados distúrbios metabólicos, como obesidade, intolerância à glicose, níveis elevados de colesterol ou triglicerídeos, assim como avaliar o consumo de álcool. Outras etiologias para doença hepática devem ser excluídas quando se avalia um paciente com suspeita de esteatose, como hepatite viral, uso de medicamentos.
Gordura não quer dizer inflamação
O grau de esteatose ao ultrassom não é proporcional à gravidade do quadro, o paciente pode ter esteatose grau 1 e ter muita inflamação ou ter grau 3 e não apresentar inflamação hepática. A presença de inflamação é mais importante do que a quantidade de gordura, sendo investigada através de exames de sangue para avaliação do fígado, que são as enzimas hepáticas (TGO e TGP ou AST e ALT) e outros marcadores de doença do fígado como a gama GT. A esteatose é a causa mais comum de elevação das enzimas do fígado em exames de sangue de rotina, geralmente na esteato-hepatite há maior aumento das mesmas.
A confirmação do diagnóstico de esteato-hepatite é feito pela análise histológica de um fragmento do fígado, retirado através da biópsia hepática. Este procedimento costuma ser indicado apenas nos pacientes com as enzimas hepáticas elevadas, com maior risco de esteato-hepatite e fibrose hepática como consequência da inflamação.
A esteatose e a esteato-hepatite são doenças reversíveis, desde que ainda não tenham provocado fibrose no fígado. A associação da esteatose hepática com hepatite B ou C, colestase, doenças metabólicas ou autoimunes pode facilitar a evolução para a cirrose. Por isso é muito importante a identificação da esteatose e tratamento adequado.
Trata-se a causa, e não a esteatose em si
Não há até o momento um tratamento específico para a esteatose. Dessa forma, o tratamento se concentra na causa, ou seja, o diabetes, os níveis elevados de colesterol e triglicerídeos, a obesidade. Isso inclui uso de medicamentos, quando necessário, e uma mudança de hábitos de vida, com perda de peso, reeducação alimentar e realização de atividade física, além de acompanhamento médico regular
Geralmente a medida mais eficaz para controlar a esteatose é a perda de peso, uma redução de 7% no peso corporal pode trazer bons resultados. Para isso deve-se ter uma dieta hipocalórica, evitar frituras, gorduras e doces e aumentar a ingestão de frutas, legumes, verduras e carnes magras. Porém, deve-se perder de peso de forma gradual, perdas muito rápidas podem agravar a esteatose. Pessoas com índice da massa corporal (IMC) normal não apresentam grandes benefícios com a perda de peso, pois a causa da esteatose não é o excesso de peso. Em doentes com obesidade mórbida, acirurgia bariátrica pode ser uma opção.
Alguns medicamentos têm sido usados com algum benefício. A vitamina E, na dose de 400 a 800 UI ao dia, é indicada para pacientes com esteato-hepatite e sinais de fibrose hepática, comprovados através da biópsia do fígado. Drogas hipoglicemiantes, usadas para tratamento de diabetes, como a metformina, pioglitazona e rosiglitazona, têm sido utilizadas, geralmente nos pacientes com níveis elevados de glicemia. O orlistat (xenical) pode ser usado como droga auxiliar para o controle do peso corporal, não age diretamente sobre a esteatose. Alguns trabalhos mostraram benefícios do ômega 3 nos casos de esteatose, mas não da esteato-hepatite.
Outras drogas foram testadas com resultados inconclusivos, entre elas: ursacol (ácido ursodesoxicólico), N-acetilcisteína, acido fólico, silimarina.
Portanto, apesar da esteatose ser uma doença benigna na grande maioria dos casos, se não tratada pode evoluir de forma desfavorável. Por isso, todo paciente com diagnostico de esteatose hepática e, principalmente, esteato-hepatite deve iniciar tratamento para tentar reverter esse acúmulo de gordura.