Em momentos de crise é muito comum as empresas revisitarem seus fornecedores e suas estruturas para avaliar onde há espaço para potenciais savings e redução de custos. Especialmente para as empresas de maior porte, uma nova alternativa tem sido apontada: planos administrados (pós-pagamento) em saúde.
Para entender melhor o que é e a dinâmica do programa de pós-pagamento, também conhecido como plano administrado, podemos defini-lo como a transferência do risco total do plano de saúde para a empresa, que assume a integralidade dos custos de utilização de todos os usuários, taxas de administração para a seguradora, impostos e consultoria que envolve, muitas vezes, a gestão e cálculos atuariais. A empresa, antes de iniciar qualquer estudo para migração do pré-pagamento (modelo mais convencional em que existe um custo fixo válido por 12 meses) para um modelo de pós-pagamento, deve estar ciente dos riscos envolvidos e ter apetite para absorvê-los.
Ao fazer a avaliação de viabilidade deste modelo pós-pago, muitas empresas têm levado unicamente em conta o fator de número de vidas. As seguradoras e outras consultorias tem opiniões divergentes, algumas sinalizam que a partir de 2.000 vidas é viável e outras acreditam que somente a partir de 5.000 vidas a viabilidade se torna factível. O fato é que não podemos nos ater somente ao número de vidas.
Outros componentes muito importantes são imprescindíveis ao realizar este tipo de avaliação:
- Dispersão geográfica – há locais no Brasil onde os custos médicos são mais caros e isso deve ser levado em consideração. A concentração em locais onde o custo da assistência é mais baixo torna-se mais favorável e pode inclusive se negociar pacotes específicos;
- Elegibilidade – contratos que possuam um número significativo de aposentados e agregados, por exemplo, tornam o risco mais substancial, pois geralmente são os que mais utilizam e podem demandar mais do plano de saúde, principalmente no grande risco (internação);
- Nível dos planos oferecidos – planos que dão acesso a um grande número de usuários a prestadores de 1ª linha, bem como altos níveis de reembolso, requerem uma cautela muito grande na aplicação do modelo de pós-pagamento em que as contas médicas podem atingir montantes extremamente elevados;
- Nível de utilização do plano (fotografia dos principais ofensores de sinistros) e fundamento histórico – através da identificação dos principais ofensores de sinistralidade é possível realizar exercícios do comportamento do grupo no pós-pagamento. Cada empresa possui uma particularidade e um histórico que deve ser levado em consideração;
- Desenho de contribuição e extensão – os modelos de extensão nos planos de saúde advêm de artifícios jurídicos (artigos 30 e 31 da Lei 9656/98) e de critérios próprios da empresa, como um amparo social ao ex-colaborador. É importante ter ciência e mensurar os impactos deste tipo de usuário na saúde financeira do plano, ou seja, o impacto nos sinistros. Cabe avaliar se é indicado mudar o desenho para minimizar esses impactos;
- Custo de rede – cada operadora negocia com seus provedores (hospitais, clínicas, laboratórios, etc.) suas bases de remuneração e isso difere de uma operadora para outra, podendo consequentemente haver uma mais cara do que outra de acordo com sua negociação. O resultado direto é que a conta de sinistro poderá vir maior ou menor dependendo da operadora;
- E também… número de vidas – quanto mais vidas, maior a diluição do risco e menor a volatilidade dos custos médios praticados.
Vamos entender melhor as principais características que diferem os planos convencionais de pré-pagamento e pós-pagamento.
O primeiro desafio é entender como funciona a composição de precificação nos dois modelos. Veja abaixo graficamente como isso funciona:
É muito importante que se tenha em mente que a empresa que adota o modelo de pós-pagamento deve estar preparada para oscilações importantes mês a mês, já que assumirá os custos da utilização. Imagine um caso hipotético de um acidente automobilístico com um diretor e outros membros da família que precisaram ir para um hospital de primeira linha como o Albert Einstein ou Sírio Libanês. Certamente 100% dos custos serão encaminhados à empresa para pagamento juntamente com os impostos e isso poderá afetar o resultado da empresa no seu exercício fiscal. Esse é o preço por assumir o risco. Processos de gestão de saúde sob a figura de gerenciamento de casos complexos/catastróficos podem e devem ser empregados com muito cuidado.
Para uma análise comparativa quanto à questão técnica, apresentamos abaixo alguns dos principais pontos que diferenciam os dois modelos:
Item | Pós-Pagamento | Pré-Pagamento |
Desenho do plano | Definido pela empresa contratante do serviço, com apoio da administradora | Produto padrão da Operadora de saúde com pouca margem de ajuste |
Autonomia para decisão dos casos de exceção | Sim, total | Parcial (necessita negociar com a Operadora “caso a caso”) |
Oscilação de custos mensais | Imediato quando ocorre aumento de frequência ou eventos de alto custo | Não imediato, mas pode ser repassado nas renovações do contrato por aumentos de sinistralidade. Essas revisões são anuais. |
Risco financeiro do programa | Responsabilidade da empresa cliente | Em tese, deveria ser da operadora contratada, mas pelos critérios de reavaliação de prêmio, passa a ser uma responsabilidade conjunta. |
Pagamentos às operadoras | Quinzenal (forma mais comum) ou mensal | Mensal (emissão do prêmio) |
O setor de saúde suplementar possui um faturamento no Brasil superior a R$ 105 bilhões por ano e é um número realmente expressivo por essência. Os planos de saúde representam hoje algo entre 13% e 14% da folha de pagamento e com perspectivas de alta, dado os mecanismos utilizados pelo setor para reajustar as mensalidades. Este valor é muito menor do que as correções de dissídios apresentadas pelos acordos sindicais.
Uma questão importante para aquelas empresas que resolverem mudar o modelo para o pós-pagamento é a definição de uma política de governança para determinação do que será coberto e do desenho do plano, entre outras medidas. É muito comum empresas com características paternalistas abrirem exceções para casos não cobertos pelos planos convencionais que seguem as premissas do rol da ANS. O ideal é que ao determinar o que cobrir e o que não cobrir, a responsabilidade não fique centralizada na figura de um único profissional para que dessa maneira fique claro que a posição é da instituição e não de algumas pessoas.
É possível sim economizar migrando o programa de pré-pagamento para pós-pagamento e internalizando os riscos, mas é bem verdade que essa conta pode ficar muito cara caso não seja bem planejada e gerida sob uma perspectiva de viabilidade e sustentabilidade dos custos com gestão de saúde. Em grandes programas de saúde, qualquer percentual para mais ou para menos representa um grande montante financeiro.
Ricardo Sant’Ana, Diretor de Benefícios e COO da Lockton Brasil.