Conquistar medalha olímpica é para poucos. Mas, no caso de uma atleta do taekwondo, a luta começou antes mesmo do sonho por uma vaga na Rio-2016. Moradora de Cangaíba, bairro carente da Zona Leste de São Paulo, Talita Djalma enfrentou a violência doméstica sofrida pela mãe, encarou as mazelas de viver em condições precárias e encontrou no esporte a esperança de um futuro melhor. Foi garçonete, cozinheira, dormiu em aeroportos na Europa e até pediu dinheiro em sinais de trânsito em busca de um só objetivo: ser atleta olímpica.
Talita é uma das três lutadoras que disputarão a vaga na categoria até 57kg na seletiva que será promovida pela Confederação Brasileira de Taekwondo, na próxima sexta-feira, no Espírito Santo.
— É a realização de um sonho após uma vida treinando e me dedicando a esse momento — celebra a atleta, de 27 anos: — Sou parcialmente vitoriosa por chegar à final da seletiva. Mas meu objetivo não é apenas esse, é ser campeã olímpica.
Encantamento e espera
O taekwondo surgiu na vida de Talita após ela e a mãe fugirem da casa do padrasto com uma mão na frente e outra atrás. Moraram de favor e, em meio às dificuldades que se multiplicavam, a jovem conheceu o esporte. Foi amor à primeira vista, mas Talita precisou esperar.
— Eu era bombeira-mirim e o projeto foi para um local onde também davam aulas de taekwondo. Tinha uns 10 anos e comecei a lutar, mas minha mãe ficou com medo da violência. Fiquei quase um ano parada, mas ela viu que me fazia bem e deu um jeito de pagar — lembra.
Aos 17 anos, Talita se viu obrigada a trabalhar para continuar os treinos. Ganhou um emprego em um supermercado, onde trabalhou como faz-tudo. Após um ano, pediu demissão e viveu com o auxílio-desemprego até conseguir uma bolsa de estudos.
O taekwondo era uma obsessão, mas conseguir a faixa preta não seria fácil. Juntou dinheiro para pagar o exame na federação, mas faltava o da academia. Comovido pela luta de Talita, seu professor ajudou bancando o segundo teste. Há sete anos, a atleta seguiu para Rio Claro, onde viu que o sonho de estar na seleção era possível.
— Comecei a me destacar e as competições passaram a ficar mais difíceis. Se eu não estivesse bem no ranking, não teria chance de disputar os Jogos — conta: — Para pagar as viagens, trabalhava em um restaurante. Treinava em dois turnos e trabalhava de noite até a madrugada. Uma hora não aguentei mais.
Apesar de tanto esforço, nem sempre o dinheiro era suficiente e, em 2014, Talita tomou uma medida radical: pedir em sinais de trânsito. Foram dois meses assim, entre carros e esperança.
— Todos os dias, depois dos treinos, ia para o farol. Estendíamos uma faixa, uns seguravam e outros passavam para recolher o dinheiro. Não foi muito, mas ajudou — lembra.
Aeroportos como abrigo
Geralmente o dinheiro era suficiente para pagar as passagens e um dia de hospedagem. A alimentação também era escassa, o bastante para Talita não passar mal.
— Dormi várias vezes no chão dos aeroportos. Na Suíça e na Alemanha, a polícia me abordou porque não podia ficar ali. Não entendia nada, sorte que uma colega arranhava o inglês — diz a jovem: — Só pagava quarto um dia antes das lutas, para descansar e estar bem.
No ano passado, Talita se formou terceiro-sargento da Aeronáutica e passou a receber a Bolsa Atleta. Assim, pode se dedicar ao esporte e nocautear as dificuldades.
Fonte: Jornal Extra