Opinião

Pobre Rio, pobre Brasil

3 Min leitura

por: Eliane Cantanhêde

O Rio de Janeiro continua lindo, como na música de Gilberto Gil, mas as prisões dos ex-governadores Anthony Garotinho, num dia, e Sérgio Cabral, menos de 24 horas depois, escancaram um cenário horrendo em que se misturam corrupção, populismo, empreguismo, gastança e irresponsabilidade. Sem contar aquele terceiro personagem que nasceu no Rio e virou tudo o que virou no Estado: Eduardo Cunha.

Todas essas mazelas não são exclusividade do Rio, mas se somam aos erros da era Lula e ao desastre dos anos Dilma Rousseff e explicam cristalinamente o resultado das eleições municipais. Com o PMDB ladeira abaixo e o PSDB e o PT praticamente fora de combate no Estado, só podia dar no que deu: uma forte rejeição aos partidos “tradicionais”, com uma disputa entre o PRB de Marcelo Crivella e o PSOL de Marcelo Freixo.

As prisões ocorrem justamente quando o governador Luiz Fernando Pezão volta de longa licença para tratar do câncer e brinda a população com um pacote de maldades contra a crise. Como Pezão é do mesmo PMDB e foi vice-governador de Cabral, significa que eles abriram o buraco e agora Pezão convoca trabalhadores, funcionários, aposentados, pensionistas e empresas para tapá-lo. Soa assim: “Nós criamos a dívida e nadamos em dinheiro. E você paga a conta”. Daí porque o Estado está em chamas, mas as pessoas estouravam espumantes ontem, quando Cabral saiu do Leblon para Bangu sem guardanapo na cabeça.

Faça-se justiça, porém. Enquanto Cunha abastecia “trustes” e o armário da mulher com desvios da Petrobrás e Cabral recebia mesadas de R$ 500 mil,desfrutava de lancha de R$ 5 milhões e ornava o dedo da mulher com um anel de R$ 800 mil do empreiteiro Fernando Cavendish, Pezão não é – até o momento – acusado de corrupção. Aliás, ele tem foro privilegiado e o que há contra ele, se houver, corre em segredo de justiça.

Também são bem diferentes os casos de Cabral, acusado de comandar um esquema de R$ 224 milhões, e de Garotinho, enrolado por ter usado um programa social da prefeitura de Campos para comprar votos. Ambos estão devidamente presos e acusados, mas há uma questão de escala entre um e outro.

Em comum, os dois foram muito importantes no Rio e chegaram a alçar voo nacional. Garotinho saiu do Palácio Laranjeiras para uma campanha à Presidência da República em que perdeu para Lula, mas chegou em honroso terceiro lugar e elegeu a mulher, Rosinha, para o governo do Estado e agora a filha, Clarissa, para a Câmara dos Deputados.

Cabral, típico menino do Rio, filho de respeitado jornalista, biógrafo de Pixinguinha, foi um excelente produto eleitoral, lembrado até para a Presidência da República. Ele e o prefeito Eduardo Paes tiveram destaque no PSDB, passaram para o PMDB, aproximaram-se alegremente de Lula e apoiaram firmemente Dilma. O voo de Cabral foi alto. O tombo foi mortal.

Isso não passa em branco pela política, onde o PMDB abriu uma cunha na disputa feroz entre PSDB e PT e subiu a rampa do Planalto com Michel Temer. Com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgando a chapa Dilma-Temer, com a delação da Odebrecht pairando sobre tudo e todos (até mesmo o PMDB, a base aliada e o governo), a prisão de Cabral pode ser tudo, menos algo positivo para Temer. No mínimo, é mais um foco de tensão – ou de suspeição.

E há uma irradiação da crise do Rio sobre os demais Estados, sobretudo porque a crise econômica não perdoa ninguém e porque os estádios da Copa entram no foco. O Rio, além de lindo, é também a vanguarda do Brasil. Desta vez, pode estar sendo um outro tipo de vanguarda, com a prisão não apenas de um, mas de dois governadores de uma vez só, neutralizando a tese de perseguição ao PT. Tem muita gente de barbas de molho de Norte a Sul. Quais serão os próximos Estados? E os próximos presos?

Eliane Cantanhêde, jornalista, é colunista da Página 2 da versão impressa da Folha

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